RIO DE JANEIRO, Brasil — Longe das agitadas festas de praia do Rio de Janeiro e das competições de samba mundialmente famosas, o Carnaval é celebrado de forma decididamente diferente. Nos bairros operários sem litoral, a mais de uma hora do centro do Rio, os moradores celebram a tradição do bate-bola. Traduzido literalmente como batedores de bola, grupos de participantes ou equipes, vestem fantasias coloridas inspiradas em palhaços. Eles correm pelas ruas locais, jogando grandes bolas no chão, em uma mistura frenética de funk, fogos de artifício e diversão. Os homens dominam há muito tempo a cultura bate-bola e, no passado, eclodiram lutas entre equipas concorrentes, atraindo a atenção adversa e o estigma dos meios de comunicação social. Mas nos últimos anos, mais mulheres juntaram-se às equipes de bate-bola, ajudando a livrar-se dos estigmas associados à tradição cultural há muito celebrada na periferia do Rio de Janeiro. Bem Feito — Equipe Bem Feito No último andar de uma oficina improvisada em Campo Grande, Monique Vieira, 39 anos, costura dois pedaços de tiras rosa neon, que vão compor a máscara que cobre o Bem Feito — ou o rosto da galera do Bem Feito. O carnaval é feito de forma muito diferente na periferia do Rio, e não como é comemorado na praia, diz Vieira. “Eles gostam daquelas festas onde todos festejam praticamente nus”, diz ela. Aqui, é tudo uma questão de fantasias. Nos últimos meses, Vieira, engenheiro mecânico, e vários outros integrantes montaram os looks deste ano. Junto com a máscara, o resto do traje consiste em uma saia extravagante com babados, meias coloridas incandescentes, coletes enfeitados com penas e toucados. E então, claro, há os adereços. Além da bola de mesmo nome no palito, cada tripulante do Bem Feito carrega uma réplica em forma de boneca com o tema deste ano, dedicado à popular cantora brasileira Marília Mendonça. O artista morreu em um acidente de avião em 2021. Bate-bola tem muitas histórias de origem Não faltam teorias sobre a origem da mistura de fantasias extravagantes e folia do bate-bola (pronuncia-se bah-che bowl-lah). Alguns dizem que é possível ver semelhanças nos trajes de palhaço usados pelos colonizadores portugueses durante as festas do Dia de Reis. Andra Maturana, que dirige a Bem Feito com o marido, acredita que a comemoração nasceu das greves da classe trabalhadora em seu bairro em indústrias há muito relegadas à periferia do Rio. “Eles (trabalhadores) usavam fantasias e batiam bolas no chão como forma de protesto”, disse ela. A bola costumava vir de um matadouro local em Santa Cruz na forma de bexigas de vaca descartadas que os trabalhadores transformavam em bolas duras para bater durante os ataques. Hoje, os bate-bolas usam bolas de plástico. Maturana não teve permissão para se juntar a uma equipe quando criança. Sua mãe disse que era muito perigoso, com brigas entre tripulações rivais. Mas agora os tempos estão a mudar, segundo a nova mãe de 26 anos, e o bate-bola está a superar o seu estigma violento. “Há muito tempo é uma cultura extremamente masculina, mas vemos cada vez mais mulheres participando”, disse ela. Demorou um pouco para os homens aceitarem as mulheres em suas fileiras, acrescentou ela. Quando ela se juntou à equipe da Bem Feito, em 2018, eram apenas seis mulheres. Este ano, são 40 dos quase 400 que desfilarão. Esperando por mais ajuda – e dólares dos turistas Ela gostaria de ver mais ajuda da cidade, no entanto. As fantasias são caras e os bate-bolas não recebem doações municipais nem grandes patrocinadores como as famosas escolas de samba do Rio. “Os grandes benfeitores não olham para o bate-bola quando pensam em patrocinar eventos culturais”, disse Sabrina Veloso, pesquisadora que escreveu sobre a cultura do bate-bola. Ela também faz parte da tripulação feminina Brilhetes – ou Shining – baseada na zona norte do Rio, em Anchieta. Ela diz que a periferia da classe trabalhadora do Rio é marginalizada há muito tempo, com subinvestimento. Não é de surpreender que suas celebrações não recebam muitas promoções turísticas ou dólares, acrescenta ela. Veloso tem certeza de que muitas equipes não se importariam com alguns patrocinadores para ajudar a custear os custos. Brilhetes brilhando depois da meia-noite Implacável, a equipe feminina da Brilhetes montou fantasias incríveis para a celebração deste ano. Suas saias e coletes em amarelo neon e verde brilhante eram estampados com Zelda, uma figura de um popular videogame da Nintendo. Nas costas está o guerreiro protetor de Zelda, Urbosa. A líder do grupo Vanessa Amorim diz que fica triste quando está em outros pontos do Rio e moradores dizem nunca ter ouvido falar em bate-bola. Ou, se o fizeram, eles o menosprezam. Ela e outros tripulantes passaram a realizar oficinas de bate-bola em escolas próximas às praias do Rio. A cidade hoje realiza anualmente um concurso de fantasias para os bate-bolas do centro da cidade. Amorim afirma que continuará compartilhando a cultura bate-bola. “Continuamos lutando e persistindo”, disse ela enquanto se preparava para vestir seu traje de penas e sair para as ruas em meio a música funk ensurdecedora e fogos de artifício. Com as bolas batendo no concreto, os Bilhetes decolam. A tripulação masculina companheira, a Turma Do Brilho — ou Shine, caminha ao lado deles. Hoje em dia, até os homens nos aceitam como iguais”, disse Amorim. “Não desfilamos mais atrás deles, nem na frente. Estamos fazendo isso lado a lado. Post navigation Rio declara emergência de dengue enquanto Brasil se prepara para o Carnaval